segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Aborto em Anencéfalos

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027/2.10.0012890-0 (CNJ:.0128902-79.2010.8.21.0027)

Este procedimento trata de pedido de autorização para realização de aborto, aqui denominado interrupção da gestação - antecipação de parto. A criança em formação sofre de anencefalia.

A requerente quer autorização judicial para interromper o curso normal da vida do filho que se forma em seu útero. Mas afirma ser inadmissível que na análise do alegado direito seu de abreviar a vida do feto se agreguem questões morais, religiosas ou ideológicas.

Quer apenas que se lhe aceda à vontade.

Contudo, se pede e fundamenta, precisa admitir que se analise fundamentadamente o pedido.

No atinente à questão religiosa, de cunho pessoal e íntimo, tem razão a que se deixe de lado. O Estado não tem religião, nem podem seus agentes, com base na própria opção religiosa que eventualmente tenham, justificar o ato estatal. Tal matéria vem balizada com clareza na Constituição Federal (art. 5º, VII). Mas ninguém pode exigir que somente os ateus – alguns tão escravos de preconceitos quanto crentes fanáticos - possam atuar como agentes do Estado.

Por outra banda, ante aos fundamentos filosóficos que envolvem o direito de viver, assim como frente às implicações éticas das decisões sobre vida e morte, não se pode tratar do assunto apenas com os olhos cravados no interesse da requerente. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana que invoca, é aplicável tanto para ela como ao nascituro. E a justiça de nosso tempo não se assemelha àquela de Pilatos – a se purificar formalmente no lavar das mãos que anestesiava consciências, sem se comprometer com a realidade subjacente ao resultado da sentença, sem tomar partido pela razoabilidade do decisum.

Não se pode perder de vista – é preciso gizar – que se está tratando de duas vidas humanas intimamente ligadas. A criança viva, cujo corpo se desenvolve no ventre materno - da fecundação do óvulo ao findar da gestação - não é um acessório, um apêndice, um prolongamento do corpo da mãe. É, desde a concepção, titular de direitos (Código Civil, art. 2º), como continua titular de direitos o doente terminal em estado de coma ou o alienado mental que aparentemente não registra consciência de si próprio.

É fora de lugar a nominação como antecipação de parto segundo quer a requerente, pois se disso se tratasse desnecessário seria autorizar-se judicialmente. Anencefalia também não significa ausência de vida. A expressões utilizadas – cadáver não humano e expulsão de ente não-vivo – são inapropriadas ao caso. O feto vivo é um ser humano, como um recém nascido, uma criança, um adulto, um velho.

Antes de analisar o pedido de licença à mãe para matar o filho é necessário pôr em questão o direito dele em continuar a viver, desimportando se essa vida vai durar horas ou anos, coisa que ninguém pode responder com seriedade, ao que dá conta a literatura médica.

O imponderável pode – sem aviso e sem indícios – de hoje para amanhã, cortar a possibilidade de qualquer ser humano permanecer entre os viventes. Uma obstrução coronariana num coração aparentemente forte, um vaso rompido num cérebro íntegro, uma bala perdida a cruzar pela janela, um breve deslizar de veículo sobre a calçada, uma coisa boba, em segundos pode romper o princípio vital que sustenta o corpo de qualquer pessoa.

Não se vai aqui tratar de religião, mas de ciência. E de pronto é oportuno anotar que a ciência não cabe toda no cartesianismo materialista onde os que ainda não tem olhos para ver se escondem atrás do método para fugir do objeto de que aparentam tratar, ou como já se disse, fingem que pensam, quando em verdade estão apenas reorganizando seus preconceitos.

O amor e a dor da própria requerente não cabem na ciência tradicional, que sequer tem lugar para acolher a saudade dos momentos provavelmente felizes em que gestou o ser que vem, com ela, mas mudo, bater às portas do Judiciário.

Existe uma ciência superior, a qual se dedicam homens e mulheres de primeira grandeza, ciência que se assenta sobre a sublime força do amor que sustenta o universo, amor que não abandona a cabeceira do velho já inútil para os prazeres do corpo e o gozo das coisas, amor que vela paciente pelo encarcerado na escuridão da loucura, amor que renuncia a interesses seus para atender aos afetos no lar, amor que gasta uma vida inteira na solidão do laboratório em busca de curas para doenças que não tem, amor que não cansa e só aumenta de tanto amar.

O aborto – que a requerente denomina antecipação de parto – é necessário para salvar a vida da gestante? Respondem os médicos que não, ressaltando ser apenas manifestação de interesse dela.

Isso, anota o Ministério Público, é suficiente para o indeferimento.

Assevera a requerente que a gravidez lhe impõe desarrazoado sofrimento. E matar o próprio filho na 26ª semana de gestação lhe trará paz?

A mãe abnegada ao receber diagnóstico de que seu menino terá poucos meses de vida, em face de doença gravíssima e irreversível, não vem a juízo pedir autorização para matá-lo. O filho amoroso ao saber de grave doença incurável e progressiva da mãe não vem ao foro pedir socorro com a pena de morte. A dor da requerente é respeitável, é humanamente compreensível, sem necessidade de recorrer a qualquer fundamento religioso sobre a existência humana para dimensioná-la.

A vida humana – e deixemos de lado todos os argumentos religiosos – não pode ser banalizada. O sofrimento dessa mulher não pode justificar a intervenção do Estado para matar um feto indefeso. E aqui não há como escapar da valoração ética, postura humana frente à vida, e aplicação do princípio constitucional e universal dos direitos humanos que a própria requerente invoca.

A aparente postura progressista de quem defende os criminosos da pena de morte e busca a eugênia elegendo quais os inválidos merecem continuar a viver é tão mesquinha quanto a dos reacionários que, diante do fracasso do processo educacional do homem, querem a pena de morte aos que foram arrastados, por diversas forças quase irresistíveis, à marginalização e à criminalidade.

A alma humana ultrapassou as paredes dos templos e os dogmas das igrejas, entrou no cogitação de médicos, de biólogos, de psicólogos, sentou-se nas salas das universidades, a ponto de o tema Espiritualidade hoje fazer parte de currículos universitários em ciências da saúde, principalmente nos Estados Unidos. A física hoje dialoga com a metafísica. A matéria densa não esgota as dimensões do universo. A quântica vêm mergulhando nas partículas infinitesimais da matéria até chegar ao campo onde tudo é vibração pura, decompondo a massa em energia, e segue sua viagem em busca do elemento material primitivo de que derivam, pelas modificações organizacionais específicas, os átomos das diversas substâncias.

A psicologia transpessoal, que não é coisa de místicos, trata abertamente e com precisão metodológica adequada, com rigor científico sob paradigmas próprios, a questão da espiritualidade humana. Avançou para além do inconsciente coletivo descoberto por Jung, estabelecendo elo entre a ciência tradicional e a ciência na nova era, chegando à experimentação sobre vidas passadas, levantando o véu que impedia a compreensão do espírito imortal. Também vai mais longe que a regressão ao ventre materno do pai da psicanálise e descobridor do inconsciente individual.

Nem Freud nem Jung eram religiosos.

Homens e mulheres da ciência acadêmica se têm debruçado seriamente no estudo da condição espiritual do ser humano, inclusive sobre o aspecto da reencarnação, como por exemplo o professor e bioquímico canadense Dr. Ian Stevenson, o psiquiatra norte-americano Dr. Brian L. Weiss, o médico indiano Dr. H. N Banerjee, a psicóloga norte-americana Dra. Helen Wambach. A bibliografia responsável, isenta de qualquer cogitação religiosa, a respeito do tema, é imensa.

Arrostar a realidade espiritual do ser humano não é fazer religião, não é dogmatizar. É algo tão científico quanto a ciência que se debruça sobre a realidade material. Ver o ser humano em plenitude é justamente superar os dogmas inexplicáveis das religiões e enxergar para além do falso cientificismo que pensa saber tudo e não admite se divise algo para além de seus limites metodológicos.

A realidade espiritual do ser humano criou as ciências. Mas quando o método científico cartesiano diz: não posso ir além, outros paradigmas igualmente respeitáveis e racionais prosseguem na caminhada.

O ser humano – já sabe a própria Ciência – não é um aglomerado de células, uma matéria pensante; mas criatura integral, holisticamente situado e observável, junção de matéria e inteligência universal. Uma inteligência suprema equilibra o universo, da intimidade do átomo à imensidão das galáxias, dando estabilidade à vida, previsibilidade aos fenômenos, e possibilitando o pensar lógico e racional – a ciência. Há leis que regem o cosmos, leis inteligentes; e a inteligência não pode ser obra do caos, deem o nome que derem à causa primeira.

O pensar raso chamaria isso de religião.

Entretanto, é a verdade universalmente observável.

Esses seriam os fundamentos maiores para negar o aborto e consolar o coração dessa mãe que não está sob risco de morte.

Mas para que a visão de ciência em ponto pequeno e a compreensão menor do significado da vida não afirmem preconceito religioso no ato de decidir, basta a aplicação dos fundamentos éticos do direito e as garantias constitucionais ao direito de viver para rejeitar o pedido.

O Código penal pune o aborto quando não for para salvar a vida da gestante.

O crime não deixaria de ser crime pelo fato de ser autorizado por um juiz.

Por isso, como a matéria é estritamente de direito, desde logo conheço do mérito, e JULGO IMPROCEDENTE o pedido por impossibilidade jurídica de ser deferido.

Intimem-se.

Em 27/08/2010

Paulo Afonso Robalos Caetano,

Juiz de Direito.

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