segunda-feira, 31 de outubro de 2011

VISÃO HOLÍSTICA DA JUSTIÇA

visao holística
A MISSÃO DA AJEMS E O PAPEL DO JURISTA ESPÍRITA
(Christiano Torchi)

1. Introdução – o porquê da criação da AJEMS.
No mês de outubro do corrente ano, que coincide com o mês de Kardec, celebra-se o primeiro aniversário de fundação da AJEMS – Associação Jurídico-Espírita do Estado de Mato Grosso do Sul. Por que a fundação de mais uma entidade especializada, vinculada ao Espiritismo?
Os diversos segmentos da sociedade, com suas tendências, vocações e necessidades específicas, não cumprem sua missão em plenitude se permanecerem isolados uns dos outros, como se fossem ilhas.
Uma sociedade plural tem necessidade de instrumentos por meio dos quais exerça e expresse os seus papéis particulares. Com que objetivo? Facilitar a integração e o intercâmbio com os demais setores, uma vez que há pontos de conexão, de interdisciplinaridade, entre todos os segmentos da vida civil.
Essa multiplicação de entidades não tem por fim separar, mas unir. O corpo humano é um modelo desse tipo de organização, em que as células, ao se propagarem, no fenômeno conhecido por mitose, têm sua individualidade e funções específicas preservadas, mas que interagem com o todo.
O Espiritismo, sendo a Ciência do Infinito, abrange todas as áreas do conhecimento, que estão divididas, para fins pedagógicos, em tríplice aspecto: filosofia, religião e ciência, palco onde se desenvolvem as atividades do Movimento Espírita, em suas diversas unidades ou células de representatividade, por meio do trabalho, estudo, pesquisa e divulgação de seus postulados.

A AJEMS, tal como as demais AJE’S, em sintonia com as diretrizes da AJE Brasil, apresenta-se como uma dessas células do Movimento Espírita, cuja fundação materializa o anelo, dos operadores do Direito afinizados com o Espiritismo, de contribuir para o progresso geral, focado na pacificação social, dentro de seu campo de atuação.
Propõe-se a somar esforços com as demais entidades ou instituições já existentes, com o escopo de também dar sua contribuição para a construção de um mundo melhor. Sua fundação simboliza um esforço na senda do progresso humano, que transpõe, gradualmente, os portais da Era do Espírito de mãos dadas com outras entidades especializadas, como a ABRADE – Associação dos Divulgadores da Doutrina Espírita, a ABRAME – Associação dos Magistrados Espíritas Brasileiros, a ABRARTE – Associação Brasileira de Artistas Espíritas, a AME – Associação Médico-Espírita, a CME – Cruzada dos Militares Espíritas e o ICEB – Instituto de Cultura Espírita do Brasil, entre outras.

2. Quem é o jurista espírita?
Qual seria a papel do jurista espírita? A resposta a essa questão exige, necessária e previamente, uma reflexão, ainda que ligeira, sobre a justiça, não sem antes identificar quem é o jurista espírita.
No sentido estrito, jurista é a pessoa que se dedica ao Direito, de grande conhecimento jurídico, notadamente aquela que escreve livros jurídicos. No sentido ampliado, temos o jurisconsulto, que é a pessoa versada em leis e que se aplica aos estudos jurídicos, presta consultas e emite pareceres sobres questões de direito. É a pessoa que, além de conhecer o Direito, também o estuda sob o ponto de vista filosófico e da realidade histórico-social em que vive e trabalha. Portanto, ser jurista não é apenas aquele que domina os textos legais, a hermenêutica ou a dogmática legal.
O papel do jurista, no sentido amplo, depende da profissão que exerce. Em linhas gerais, é o defensor dos direitos.
Se for um magistrado, será o responsável pela entrega da prestação jurisdicional, o defensor da ordem social, sendo a imparcialidade um requisito fundamental de sua atuação. Se for um promotor de justiça, será o defensor da sociedade, o fiscal da lei.
Enquanto defensor público ou advogado será aquele que protege os interesses do seu constituinte. É a voz da parte, razão pela qual não se pode esperar dele imparcialidade, a qual, entretanto, não lhe autoriza o desbordamento dos deveres éticos.
O mesmo ocorre com as demais profissões jurídicas, cada qual com sua parcela de responsabilidade na defesa dos postulados jurídicos. Enfim, o jurista é o mediador entre o Direito e a Sociedade. Por sua característica própria, não tem natureza mercantil, não visa o lucro.
Agora que vimos quem é o jurista, no sentido comum, o que é um jurista espírita?
O estatuto da AJEMS identifica seus membros como “associados”, não como “juristas”, no que andou bem, porque na acepção ampla, todos estamos nos construindo como juristas.
Segundo os estatutos da entidade, pode ser associado todo bacharel em Direito, atuante na área jurídica, de qualquer profissão, sem excluir o acadêmico de direito, que adota os princípios do Espiritismo e procura vivenciá-los no exercício de sua atividade. É o caso do advogado, do defensor público, do magistrado, do membro do Ministério Público, do delegado de polícia, do conciliador, do árbitro, do mediador, dos assessores jurídicos em geral, do professor de Direito, do escritor de livros jurídicos etc.

3. Conceito espírita de justiça.
A justiça, no seu sentido lato, constitui um dos aspectos mais delicados da vida, pois a todo momento estamos tomando decisões que interferem direta ou indiretamente nos destinos dos nossos semelhantes.
O que é ser justo? Que critérios devemos adotar para atingir a verdadeira justiça, seja num simples diálogo, no trabalho, nos negócios, na família, na religião, nas relações forenses institucionais, enfim, nas relações sociais em geral?
À medida que progresso avança, tornando cada vez mais complexas as relações sociais, graças ao aumento das aglomerações nos grandes centros urbanos e ao desenvolvimento da tecnologia, ampliam-se, na mesma proporção, os conflitos e, consequentemente, a necessidade de equacioná-los da forma mais eficiente e célere possível.
O advento da justiça como instituição é produto da evolução do homem. Veio para substituir o desforço, a vingança, para que não prevaleça a vontade do mais forte pelo exercício arbitrário das próprias razões.
A despeito do progresso alcançado pelas instituições, a deflagração do processo judicial, do ponto de vista psicológico, continua se assemelhando a uma declaração de guerra, em que se estabelece o confronto entre as partes, no qual se utiliza como armas o complexo aparato jurídico do Estado, e, tal como acontece no combate bélico, se sabe como começa, mas não se sabe como e quando termina.
Será muito difícil, senão impossível, atender à demanda crescente de processos que aumenta assustadoramente, enquanto prevalecer a cultura da competição litigiosa ou adversarial predominante, que impera, inclusive, entre os próprios jurisdicionados.
A justiça, na definição herdada do Direito Romano, de cunho pragmático, é a constante e firme vontade de dar a cada um o que é seu. A nosso ver, a acepção dada pelos Espíritos é mais abrangente e precisa: “A justiça consiste no respeito aos direitos de cada um”[1], para que cada um receba de acordo com seu merecimento.
Portanto, logo se percebe que o sustentáculo da justiça autêntica não está nas leis falíveis e transitórias dos homens, embora essas sejam vitais para atender às necessidades evolutivas da sociedade em um determinado momento.

4. Grilhões do Direito.
Há uma necessidade premente de se humanizar o Direito, que se encontra engessado pelo materialismo, pelo pragmatismo das ideias reducionistas, fenômeno que também tem atingido muitos outros setores da sociedade.
Não bastasse isso, como a justiça anda junto com o poder, a probabilidade de ocorrer abusos, nesse setor, é muito grande, excessos que são fomentados pelo orgulho e pelo egoísmo dos que se deixam iludir pelo brilho da carreira, esquecidos da transitoriedade dos cargos e profissões.
O orgulho e o egoísmo – ensinam os benfeitores espirituais – continuam sendo o maior obstáculo ao progresso moral.[2] Quando abusamos do poder, a justiça perece. Por isso, combatê-los em nós é preciso.
Perguntado aos Guias Espirituais da Humanidade de que maneira o Espiritismo poderia contribuir para o progresso, aqueles responderam: “Destruindo o materialismo, que é uma das chagas da sociedade, O Espiritismo pode fazer com que os homens compreendam onde estão seus verdadeiros interesses”.[3]
Não estando mais o futuro do Espírito acobertado pela dúvida, o homem aprenderá a viver melhor no presente, aprenderá a respeitar os direitos do próximo, porque saberá que disso depende a sua felicidade.
O Direito sem amor e humanidade é somente um amontoado de técnicas e teorias frias. Posturas mecanicistas e impessoais não cabem mais no projeto de realização da justiça. O processo não é um amontoado de papéis ou um mero arquivo eletrônico. Ali estão em jogo o patrimônio, a dignidade e, muitas vezes, a própria vida e a liberdade dos envolvidos.
Para que as leis e os códigos atinjam a realização da justiça – causa final do Direito –, é indispensável que se apoiem nos princípios do Direito Natural, do qual, infelizmente, o homem tem-se afastado, à medida que rejeita o estudo da própria natureza espiritual, cujos componentes principais são a imortalidade do ser, a reencarnação e a lei de causa e efeito.
Basta lembrar que o ensino do Direito vai descambando cada vez mais para o teorismo, em que muitos escritores se preocupam em sustentar teses casuístas, muitas vezes de acordo com os interesses de clientes abastados, o que reflete, inevitavelmente, nas jurisprudências.
Não é raro se levantarem tertúlias acadêmicas, polemizando questões bizantinas, muitas delas apenas com o propósito de mostrar erudição ou fazer escola. O Direito, porém, não é apenas teoria, mas também realidade e vivência. O divórcio entre o Direito Positivo e o Direito Natural cria as chamadas leis injustas, que negam ao homem o que lhe é devido.
Teria acertado Hans Kelsen, o grande jurista austríaco, ao defender, na sua obra “Teoria Pura do Direito”, a abstração dos valores humanos da Ciência Jurídica, esteio da aplicação e da interpretação do Direito? Afinal, as leis foram feitas para o homem e não o homem para as leis.
Sob essa ótica reducionista, ignora-se que o Direito é anterior ao Estado, ao qual se delega poderes sem limite para determinar o que é justo e o que não é, o que se pode fazer e o que é proibido. Tomando como escudo exclusivamente a vontade do legislador, qualquer agressão aos direitos da pessoa fica inteiramente justificada, pelo fato de estar prevista no ordenamento jurídico, olvidando-se que nem tudo que é lícito é honesto ou nem tudo que é legal é moral.
Os profetas, antecipando a lei de causa e efeito ensinada pelo Espiritismo, já nos advertiam das consequências nefastas desse equívoco,: “Ai dos que decretam leis injustas, dos que escrevem leis de opressão, para negarem justiça aos pobres, para arrebatarem o direito aos aflitos do meu povo, a fim de se despojarem as viúvas e roubarem os órfãos!”[4]

5. Visão holística da justiça.
Existe todo um arcabouço de princípios, que repousa sobre a Lei Natural, alicerce de todo o edifício moral, que é a lei de Deus, a única verdadeira para a felicidade do homem, que lhe indica “o que deve fazer ou não fazer” e que mostra que “ele só é infeliz porque dela se afasta”.[5] Instados por Kardec a dizerem onde estaria escrita a Lei de Deus, os Espíritos responderam: “Na consciência”.[6]
Em vista disso, o sentimento de justiça é inato no homem, o qual se revolta com a simples ideia de uma injustiça. Esse sentimento, porém, necessita de ser aprimorado e desenvolvido pelo progresso moral, que se dá pelo estudo das leis divinas e pela prática do bem, para que o sentimento de justiça natural não se misture às paixões que induzem os homens ao erro.
A justiça humana constitui pálido reflexo da Justiça Divina, porque, ao contrário desta, seus postulados são mutáveis e nem sempre estão em harmonia com as leis naturais, refletindo costumes e caracteres da sociedade de uma determinada época, em que os detentores do poder quase sempre legislam em causa própria.
Jesus legou-nos a base da justiça real, consagrada na imorredoura lição: “Desejai para os outros o que quereríeis para vós mesmos”.[7] Ensinou-nos que Deus imprimiu no coração do homem essa regra áurea, fazendo com que cada um deseje ver respeitados os seus direitos. É que, em condições normais, ninguém desejaria o próprio mal. De fato, trata-se de princípio universal. Se fosse compreendido e observado fielmente, bastaria às constituições dos povos adotá-lo como único artigo, o que já seria suficiente para arrebatar todos os códigos humanos perecíveis.
Quando estivermos em dúvida quanto ao nosso procedimento em relação ao semelhante, procuremos saber como gostaríamos que o semelhante procedesse em relação a nós, em circunstância idêntica. A resposta que encontrarmos será a que deverá ditar nosso comportamento em qualquer contingência.
Felizmente, nos últimos tempos, algumas ações têm sido tomadas, com vistas a superar o anacronismo da justiça humana, ante a multiplicidade dos problemas gerados pela vida moderna, que afetam continuamente as relações interpessoais. Diante disso, sentiu-se a necessidade de se aprimorar o modelo judiciário atual, que já não mais atende às demandas sociais dos tempos coevos.
Há, por exemplo, iniciativas legais e paralegais que incentivam a conciliação, a arbitragem, a negociação e a mediação, esta última considerada por alguns especialistas como a justiça do futuro.
Busca-se, com essas medidas, mitigar a presença do Estado nos litígios, auxiliando os contendores a encontrarem por si mesmos a solução dos conflitos, porque se firma cada vez mais o entendimento de que os cidadãos são, em última instância, os responsáveis pela construção do próprio destino.
Entregando parcela desse poder ao próprio cidadão, ele “recupera sua independência e o controle de sua vida pessoal, social e produtiva, num convívio mais racional, adulto e pacífico, trazendo a necessária liberdade e paz social que todos [aspiramos]”.[8]
Atualmente, analisa-se a eficiência dos tribunais pelo número de ações que conseguem julgar num mês, ano ou período. Quanto mais processos julgar, mais o juiz ou o Tribunal será reconhecido como eficiente pelos órgãos de controle do Poder Judiciário. Será mesmo este o melhor critério para se avaliar a eficiência dos órgãos julgadores?
O sistema de metas e de produtividade é válido, mas sua aplicação na atividade judicante não pode dar-se nos moldes tradicionais, em virtude da complexidade do ato de julgar, que envolve uma série de fatores subjetivos inerentes à peculiaridade de cada processo, inclusive questões espirituais, atinentes à lei de causa e efeito, das quais a legislação humana não cogita.
A propósito dessa delicada questão, abre-se um parêntesis, remetendo o leitor para reflexões em torno do capítulo XIII da obra “Libertação”, ditada pelo Espírito André Luiz ao médium Francisco Cândido Xavier (1910-2002), que trata de um erro judiciário cometido por um magistrado, que lhe custou profundos sofrimentos morais.
Não menos amargas, ainda, são as reminiscências do senador romano Públio Lentulus Cornelius, agora envergando a personalidade de Emmanuel, ao recordar, cerca de dois milênios depois, no capítulo IX do romance histórico “Há 2000 Anos”, segunda parte,[9] que tivera sob a sua responsabilidade o processo de Jesus, vítima do maior erro judiciário de todos os tempos.
Geralmente, a decisão açodada, apressada, redunda em injustiças irreparáveis, às vezes muito maiores do que o retardamento da entrega da prestação jurisdicional, já que a pressa é inimiga da perfeição, havendo o risco de se “colher frutos verdes”, pois a indevida entrega da prestação jurisdicional provoca efeitos colaterais gravíssimos.
Se prevalecerem tais estratégias, tecidas sob o paradigma materialista, os problemas permanecerão sem uma solução efetiva, os quais ressurgirão mais adiante, muitas vezes nas futuras encarnações, como enigmas até mais complexos, a exigirem solução dos mesmos atores jurídicos do passado que terão de retomar a tarefa em situações mais embaraçosas ainda.
Os sintomas desses equívocos já se fazem sentir na atualidade, como se vê, por exemplo, da manifestação da OAB que recentemente protestou contra a baixa qualidade das decisões judiciais proferidas nos chamados mutirões, em que prevalece mais a preocupação com estatísticas do que com a efetiva entrega da prestação jurisdicional.[10]
Sem uma reestruturação ampla nas instituições, em todos os âmbitos, que também passa pela transformação moral do ser humano, continuaremos combatendo os efeitos e não as causas desses e de outros problemas.
Essa reestruturação, mais do que a modificação das leis, exige um trabalho de conscientização e educação da sociedade, no afã de obter a adesão de todos os operadores do Direito e dos próprios jurisdicionados, que devem ser estimulados a abandonar a crença ingênua de que o Estado é capaz de resolver todos os seus problemas.

6. A missão da AJEMS e o papel do jurista espírita.
Qual a contribuição que a AJEMS e outras entidades congêneres poderiam dar para auxiliar na humanização do Direito? Cooperar no trabalho de conscientização dos operadores do Direito, à luz da Doutrina Espírita, quanto à essência dos reais valores da justiça, que tem por escopo a construção de uma nova mentalidade, fundada na real fraternidade e solidariedade, princípios efetivamente garantidores da pacificação social.
Nossa época não mais admite a mística do jurista sob a máscara do Direito, que, por exemplo, reclama da morosidade da Justiça quando patrocina os direitos do autor, mas se prevalece do aparato legislativo para protelar o andamento das causas, quando patrocina os direitos do réu, congestionando os tribunais, com desprestígio para o sistema judiciário.
Por isso, a AJEMS tem entre suas finalidades estatutárias a promoção do estudo e a divulgação da Doutrina Espírita, que oferece conhecimentos libertadores, que contribuirão para o aprimoramento moral e espiritual dos operadores do Direito espíritas e por via reflexa dos próprios jurisdicionados.
A seu turno, o papel do jurista espírita não difere do exercido pelos demais juristas não espíritas (religiosos ou não), isto é, ser o mediador do Direito, com um diferencial: colocar seus conhecimentos jurídicos a serviço da Sociedade, na prevenção, na conciliação e na solução de conflitos, conhecimentos esses iluminados pelos princípios da Doutrina Espírita, com destaque para o Evangelho Segundo o Espiritismo aplicado a si mesmo, em primeiro lugar. Enfim, compete ao jurista espírita dignificar sua profissão a partir da dignificação da sua própria conduta moral.
Quais os caracteres do jurista de bem? Os mesmos do homem de bem, que, segundo os Benfeitores Espirituais, “é o que cumpre a lei de justiça, de amor e de caridade, na sua maior pureza. (...) Se a ordem social colocou sob o seu mando outros homens, trata-os com bondade e benevolência, porque são seus iguais perante Deus. Usa da sua autoridade para lhes levantar o moral e não para os esmagar com o seu orgulho”.[11]
A moral, como se sabe, é a conduta submetida a valores éticos que dizem respeito ao dever, cumprido sem coação. O jurista espírita será respeitado não pelos conhecimentos jurídicos que acumule, mas sim pelo bom uso que fizer deles, sem intuitos proselitistas e pruridos reformistas.
Proféticas são as palavras de que “o homem do futuro não terá direitos, mas sim deveres, porque bastará o cumprimento recíproco desses deveres, para assegurar a convivência pacífica e harmoniosa da coletividade”.[12]
Na visão espírita, “a moral é a regra do bem proceder, isto é, de distinguir o bem do mal. Funda-se na observância da lei de Deus. O homem procede bem quando faz tudo pelo bem de todos, porque então cumpre a lei de Deus”.[13]
Mas como se pode distinguir o bem do mal? Novamente nos socorremos dos ensinos dos Espíritos Superiores: “O bem é tudo o que é conforme a lei de Deus, e o mal é tudo o que dela se afasta. Assim, fazer o bem é proceder de acordo com a lei de Deus. Fazer o mal é infringir essa lei”.[14]
Para agirmos de acordo com a lei de Deus, sejamos ou não juristas espíritas, a solução é a prática do amor ao próximo, isto é, da benevolência para com todos, da indulgência (isto é, da compreensão) para as imperfeições dos outros (o que não significa cumplicidade com o erro), do perdão às ofensas, enfim, da prática da caridade como o entendia Jesus,[15] o que nos abre a oportunidade de compreender, com maior amplitude, os sofrimentos e os problemas humanos, permitindo equacioná-los sob outros paradigmas que não apenas o econômico.
Essa não é uma tarefa fácil nem simples, todos sabemos. Mas é preciso dar o primeiro passo, é preciso começar.

7. Conclusão.
Resumindo:
1. A missão das AJEMS, tal como a das demais AJE’S, é cooperar no trabalho de conscientização dos operadores jurídicos, quanto à essência dos reais valores da justiça, dentro de uma concepção holística, trabalho esse que deve estar sempre afinado com as leis naturais, que tem por escopo a construção de uma nova mentalidade, fundada na real fraternidade e na solidariedade, princípios efetivamente garantidores da pacificação social.
2. O jurista espírita não deve se contentar em ser apenas mediador do Direito, deve imbuir-se do desejo sincero de vivenciar os princípios espíritas no exercício da profissão, colocando seus conhecimentos jurídicos a serviço da Sociedade, na prevenção, na conciliação e na solução de conflitos.
Em carta encaminhada por Divaldo Pereira Franco à ONU – Organização das Nações Unidas, publicada na Revista Reformador, da FEB, de novembro de 2000, o médium asseverou: “O indivíduo religioso e espiritual [seja jurista ou não] tem o dever de descobrir que a sua vida somente tem um sentido: servir à Humanidade. E nesse mister é convidado a empenhar-se para alterar o contexto da sociedade em que vive...”
A reforma das leis humanas em sintonia com as leis naturais são um prenúncio do progresso. Isso vai ocorrendo espontaneamente, pela força das coisas e pela influência das pessoas de bem, que exemplificam, apontando o caminho do progresso moral. O homem já reformou diversas leis e ainda reformará muitas outras. É uma questão de tempo. Façamos a nossa parte, para que esse processo se acelere, começando por cumprir as leis boas já existentes.
Os povos cujas leis se harmonizarem com as leis eternas do Criador viverão e servirão de farol para as outras nações. Quando reinar a justiça verdadeira em nossos corações, não haverá mais necessidade de tribunais na Terra, porque aí seremos juízes de nós mesmos, e então haverá justiça para todos.


[1] KARDEC, Allan O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Q. 875.
[2] Idem, ibidem. Q. 785.
[3] Idem, ibidem. Q. 799.
[4] ISAÍAS, 10:1-2.
[5] KARDEC, Allan O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Q. 614.
[6] Idem, ibidem. Q. 621.
[7] Idem, ibidem. Q. 876.
[8] VEZZULLA, Juan Carlos. Teoria e prática da mediação. 2. ed. Curitiba-PR: Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil, 1998, p. 16.
[9] XAVIER, Francisco Cândido. Obra citada. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira.
[11] KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 115ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 1998. Cap. 10, item 3.
[12] Texto atribuído a Manoel Emygdio da Silva, em “Síntese Monista: uma ideia nasce”.
[13] KARDEC, Allan O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Q. 629.
[14] Idem, ibidem. Q. 630.
[15] Idem, ibidem. Q. 886.


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